terça-feira, abril 06, 2004

O Cristianismo: Essência e História

(...) Mas poderemos ainda confiar na causa cristã? No dealbar do III milénio não haverá todos os motivos para desesperar do cristianismo? O cristianismo não perdeu porventura uma parte da sua inteligibilidade e credibilidade, pelo menos na Europa, nos países de origem? Não se tenderá, hoje mais do que nunca, a afastar-se do cristianismo - para ir ao encontro das religiões orientais, para aderir a toda uma espécie de grupos de empenhamento político e de experiências vividas, ou ainda para se ensimesmar, muito simplesmente, na esfera confortável da vida privada, livre de todas as obrigações? Aos olhos de muitos dos nossos contemporâneos, inclusive nos nossos países «cristãos», designadamente católicos, o cristianismo não evocará sobretudo uma Igreja oficial, ciosa do seu poder e desprovida de espírito de compreensão, a autoridade e a ditadura doutrinal de uma instância geradora de angústia, os complexos sexuais, a recusa do diálogo e, tantas vezes, relações desdenhosas com os que pensam de outra maneira? A Igreja Católica, em particular, não é tão amiúde identificada com a discriminação relativamente às mulheres, quando Roma pretende proibir «definitivamente» a ordenação delas (tal como o casamento dos padres, a contracepção...)? Perante esta incapacidade de operar revisões, a antiga indiferença mais ou menos benevolente para com o cristianismo não se terá volvido, em muitos sítios, numa irritação ou até mesmo numa hostilidade declarada? (...)

Hans Küng, O Cristianismo: Essência e História, Círculo de Leitores

Título original: Das Christentum Wesen und Geschichte. O que eu sofro com esta tradução portuguesa do francês...

Não tenho palavras para descrever a lufada de ar fresco que este livro representa, escrito por um teólogo afastado das suas funções docentes pela hierarquia instalada de uma instituição surda... Surda até entre os seus, descartando as hipóteses de se tornar uma verdadeira Igreja de Cristo, ponte para a Jerusalém Celeste. O eterno monólogo que aqui se torna diálogo. Um regresso ao essencial da fé, num profundo desabar de estruturas tomadas como fundamentais.

O livro que me fez compreender que é possível ser católico neste terceiro milénio.