quarta-feira, maio 05, 2004

Orígenes II



Orígenes elabora um sistema orgânico a partir dos elementos fundamentais do cristianismo, uma síntese para o pensamento grego composto pelos seguintes conceitos fundamentais:

1.º conceito: Deus. É o centro inequívoco da teologia, o Uno primordial e a origem da vida, o espírito puro, absolutamente transcendente. O Deus único e Criador.
2.º conceito: Logos. O Logos é o próprio Deus e é, simultaneamente a segunda hipóstase. Enquanto Filho, provém de Deus, o Pai. O Logos não é apenas bom, mas sim imagem do bem.
3.º conceito: Espírito Santo. O Espírito Santo é o terceiro grau ou hipóstase. Provém do Filho, a sua importância é menor e permanece-lhe subordinado. Em Orígenes encontramos, pela primeira vez, a linguagem das três hipóstases em Deus (contemporaneamente, no Ocidente, Tertuliano fala de três «pessoas», ideia essa desenvolvida ao extremo por Agostinho, mais tarde), ou seja, os primeiros passos de uma doutrina trinitária.
4.º conceito: Seres espirituais. Todos os seres espirituais, denominados «logikoi», foram criados por Deus para serem livres, mas em virtude de uma falta original, caíram e foram condenados ao castigo e a uma vida num corpo material. Os anjos, os seres humanos e os demónios enquadram esta categoria. Os que cometeram um pecado leve foram condenados a viver num corpo etéreo; os anjos. Os que cometeram um pecado grave vivem completamente encerrados num corpo opaco; é o caso dos demónios. Os seres humanos encontram-se numa situação intermédia entre ambos. Possuem um corpo terreno. Ao contrário de outras concepções mitológicas, o mal não é da responsabilidade de um ser inferior, mas sim consequência do abuso de liberdade da própria criatura.
5.º conceito: Salvação. A salvação de todos os seres espirituais, o regresso ao mundo da luz, superior, puro e eterno, acontece através da encarnação do Logos. Ele actua como mediador do ser para Deus: um anjo para os anjos, um ser humano para os seres humanos.
6.º conceito: Alma. A alma crente, quando unida a Cristo, tem a possibilidade de alcançar a perfeição, progressivamente e em liberdade. A vida interior é compreendida como um processo de elevação do espírito, para além da vida terrena e material, até à união com Deus, tornando-se divina e imortal.
7.º conceito: Apokatástasis. No fim serão «recapituladas todas as coisas» («apokatástasis ton pánton»). Deus será tudo em todos. Os espíritos maléficos serão igualmente salvos, o mal desaparecerá completamente e tudo retornará à pureza original. Assim será encerrado o grande ciclo cósmico entre a preexistência, a criação, o pecado original, a encarnação de tudo, o movimento de retorno e de reconciliação total.

Esta visão, estranha à nossa mentalidade actual, exerceu um grande fascínio no pensamento da época. A história da humanidade pode ser assim compreendida como um grandioso processo pedagógico, no qual a imagem de Deus no ser humano, ofuscada pela culpa e pelo pecado, será restabelecida através da presciência e da pedagogia do própro Deus em Cristo. Uma gigantesca teodiceia.