quinta-feira, abril 22, 2004

Orígenes I



Quando Orígenes nasceu, provavelmente em Alexandria, por volta do ano de 185, os cristãos constituíam ainda uma minoria no Império Romano. Filho de um mártir, Orígenes, ele próprio um mártir frustrado, era sem dúvida um brilhante pedagogo do caminho espiritual para Cristo, um verdadeiro teólogo «orientador de almas». A sua vida e a sua doutrina acerca da ascenção interior, gradual, da alma para Deus, indicam o caminho para uma experiência espiritual profunda. Assim, Orígenes torna-se modelo do monaquismo ascético.

O cerne da sua teologia foi a derradeira conciliação entre o cristianismo e o mundo grego, na qual Orígenes procurou associar a fé cristã à formação helénica. Mais do que uma cisão e uma mudança de paradigma, Orígenes uniu dois mundos aparentemente contraditórios. A teologia de Orígenes pressupõe o esquema platónico-gnóstico da queda e do retorno e da separação absoluta entre as ideias eternas e as suas aparências no tempo. Só seremos capazes de compreender o pensamento de Orígenes se tivermos em conta que, para ele, a questão da origem (da essência) do Logos, constitui o pano de fundo dos seus interesses teológicos, tal como para os gnósticos.

sexta-feira, abril 16, 2004

Contemplação



Retirado deste site
Oração II

Esforça-te por entrar no teu quarto interior e verás o quarto celeste. Pois são uma e a mesma coisa; e a mesma porta se abre para a contemplação de ambos. A escada desse reino está escondida dentro de ti, na tua alma. Lava-te, pois, do pecado e descobrirás os degraus pelos quais deves subir.

Issac de Nínive, século VII

quarta-feira, abril 14, 2004

Deixa-te Amar

(...)

2. «Vós sois excepcionalmente amada»(3), amada com aquele amor de preferência que o Mestre na terra teve por alguns e que os levou tão longe. Não vos diz Ele, como a Pedro: «Amas-me mais que estes?». Madre, escutai o que Ele vos diz: «Deixa-te amar mais que estes! Quer dizer, sem temer que nenhum obstáculo seja impedimento, porque sou livre de derramar o meu amor em quem me agrada! 'Deixa-te amar mais que estes', é a tua vocação, e é sendo-lhe fiel que me tornarás feliz, porque engrandecerás o poder do meu amor. Amor este que será capaz de refazer o que tiveres desfeito: 'Deixa-te amar mais que estes'».

(...)

Isabel da Trindade, Escritos Espirituais (Deixa-te Amar)

Este Deixa-te Amar, esta carta dirigida à sua Prioresa redigida nos últimos dias de Outubro de 1906, espelha bem a alma de Isabel da Trindade, nascida Isabel Catez em 1880 em Avor (França), contemporânea de Teresa de Lisieux. A inversão da questão colocada por Jesus a Pedro, faz-me sempre reflectir na permuta do sentir, componente inolvidável do amor. Para amar é necessário deixarmo-nos amar. Entregarmo-nos ao Amor. Não exigi-lo, demandá-lo, possuí-lo como mais um objecto, mas entregarmos e mergulharmos o nosso ser nesse Amor. Sem condições... Difícil?... A vida é vivida a administrar a dificuldade.
Oração

70. Não poderás possuir oração pura, estando perturbado com coisas materiais e agitado por inquietações contínuas, pois a oração é o abandono dos pensamentos.

Evágrio Pôntico (+399), Anacoreta

domingo, abril 11, 2004

Mourning Madonna (detail)



Master of Franciscan Crucifixes, ca. 1272
Ressurreição

Maria estava junto ao túmulo, da parte de fora, a chorar. Sem parar de chorar, debruçou-se para dentro do túmulo, e contemplou dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha estado o corpo de Jesus, um à cabeceira e o outro aos pés. Perguntaram-lhe: «Mulher, porque choras?» E ela respondeu: «Porque levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram.»
Dito isto, voltou-se para trás e viu Jesus, de pé, mas não se dava conta que era Ele. E Jesus disse-lhe: «Mulher, porque choras? Quem procuras?» Ela, pensando que era o encarregado do horto, disse-lhe: «Senhor, se foste tu que o tiraste, diz-me onde o puseste, que eu vou buscá-lo.» Disse-lhe Jesus: «Maria!» Ela, aproximando-se, exclamou em hebraico:
«Rabbuni!» - que quer dizer: «Mestre!» Jesus disse-lhe: «Não me detenhas, pois ainda não subi para meu Pai; mas vai ter com os meus irmãos e diz-lhes: 'Subo para o meu Pai, que é vosso Pai, para o meu Deus, que é vosso Deus.'» Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos: «Vi o Senhor!» E contou o que Ele lhe tinha dito.

Jo 20, 11-18

Não a Pedro, não ao discípulo mais amado, nem a Maria, sua mãe. Jesus apareceu ressuscitado, pela primeira vez, a Maria Madalena, a pecadora. Ela sim, foi anunciar aos Onze a ressurreição do seu Mestre. Jesus escolheu-a a ela para passar testemunho da Verdade. E ainda não consigo compreender o que legitima a misoginia da Igreja... Dita Católica.

sexta-feira, abril 09, 2004

Morte

Depois disso, Jesus, sabendo que tudo se consumara, para se cumprir totalmente a Escritura, disse: «Tenho sede!».
Havia ali uma vasilha cheia de vinagre. Então, ensopando no vinagre uma esponja fixada num ramo de hissopo, chegaram-lha à boca. Quando tomou o vinagre, Jesus disse: «Tudo está consumado.» E, inclinando a cabeça, entregou o espírito.


Jo 19, 28-30

Em silêncio.

quinta-feira, abril 08, 2004

Deixar

Deixar, ceder,
Ser como a brisa
Doce e penetrante.

Ser como uma ária assobiada.

Não marteles o ar à tua volta.
Não tens de gritar para que te ouçam.
E o que derrete o meu coração em riso
Poderia derreter o teu, se deixasses.

E onde parece não haver caminho, o caminho aparece
Quando ambos concordam:
"Estamos perdidos - o que havemos de fazer?"

Olha então, o caminho respira

como o restolhar das folhas no silêncio

E dás por ti no Jardim

onde pertences...



I Ching
Ecce Homo

A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.


Fernando Pessoa, Obra Poética e em Prosa (ed. cit.), vol. I, p. 332.

Este Cristo, manietado, envergando um branco manto (quando todos os Evangelhos, com excepção do de Lucas, o referem como sendo escarlate ou púrpura) que lhe cobre a visão... Fechar-se-ão os olhos em contemplação interior? Em sofrimento? Cristo estranho, este, que se esconde...
Seduziste-me, Senhor, e eu deixei-me seduzir! Jer 20, 7

Grava-me como selo em teu coração, como selo no teu braço, porque forte como a morte é o amor, implacável como o abismo é a paixão; os seus ardores são chamas de fogo, são labaredas divinas.
Nem as águas caudalosas conseguirão apagar o fogo do amor, nem as torrentes o podem submergir.
Se alguém desse toda a riqueza da sua casa para comprar o amor, seria ainda tratado com desprezo.


Cântico dos Cânticos 8, 6-7
Depois...

Depois da cinza morta destes dias, quando o vazio branco destas noites se gastar, quando a névoa deste instante sem forma, sem caminhos, se dissolver, cumprindo o seu tormento, a terra emergirá pura do mar de lágrimas sem fim onde me invento.

Sophia de Mello Breyner

terça-feira, abril 06, 2004

Ecce Homo



Comentários mais tarde... Era imperativo tê-lo cá.
O Cristianismo: Essência e História

(...) Mas poderemos ainda confiar na causa cristã? No dealbar do III milénio não haverá todos os motivos para desesperar do cristianismo? O cristianismo não perdeu porventura uma parte da sua inteligibilidade e credibilidade, pelo menos na Europa, nos países de origem? Não se tenderá, hoje mais do que nunca, a afastar-se do cristianismo - para ir ao encontro das religiões orientais, para aderir a toda uma espécie de grupos de empenhamento político e de experiências vividas, ou ainda para se ensimesmar, muito simplesmente, na esfera confortável da vida privada, livre de todas as obrigações? Aos olhos de muitos dos nossos contemporâneos, inclusive nos nossos países «cristãos», designadamente católicos, o cristianismo não evocará sobretudo uma Igreja oficial, ciosa do seu poder e desprovida de espírito de compreensão, a autoridade e a ditadura doutrinal de uma instância geradora de angústia, os complexos sexuais, a recusa do diálogo e, tantas vezes, relações desdenhosas com os que pensam de outra maneira? A Igreja Católica, em particular, não é tão amiúde identificada com a discriminação relativamente às mulheres, quando Roma pretende proibir «definitivamente» a ordenação delas (tal como o casamento dos padres, a contracepção...)? Perante esta incapacidade de operar revisões, a antiga indiferença mais ou menos benevolente para com o cristianismo não se terá volvido, em muitos sítios, numa irritação ou até mesmo numa hostilidade declarada? (...)

Hans Küng, O Cristianismo: Essência e História, Círculo de Leitores

Título original: Das Christentum Wesen und Geschichte. O que eu sofro com esta tradução portuguesa do francês...

Não tenho palavras para descrever a lufada de ar fresco que este livro representa, escrito por um teólogo afastado das suas funções docentes pela hierarquia instalada de uma instituição surda... Surda até entre os seus, descartando as hipóteses de se tornar uma verdadeira Igreja de Cristo, ponte para a Jerusalém Celeste. O eterno monólogo que aqui se torna diálogo. Um regresso ao essencial da fé, num profundo desabar de estruturas tomadas como fundamentais.

O livro que me fez compreender que é possível ser católico neste terceiro milénio.
A Igreja Católica ainda tem Futuro?

De Herbert Haag, Editorial Notícias

Para os interessados numa nova Constituição da Igreja Católica. Para quem deseja aprofundar o olhar sobre uma Igreja em mutação (ainda que deveras lenta). Um livro escrito por um padre católico.

Estas coisas têm outro sabor quando vêm do âmago.

sexta-feira, abril 02, 2004

Por uma espiritualidade laica, uma moral secular

Creio profundamente que devemos encontrar, todos em conjunto, uma espiritualidade nova. Este novo conceito deveria ser elaborado paralelamente às religiões, de modo a atrair a adesão de todas as boas vontades. Um conceito novo, uma espiritualidade laica. Deveríamos promover este conceito com a ajuda dos cientistas. Poderia levar-nos a estabelecer o que todos procuramos, uma moral secular. Creio profundamente nisso. Para criar um mundo futuro melhor.

Dalai Lama; Samsara, A Vida, A Morte, O Renascimento

Conceito no mínimo interessante... Viável? Seria a resposta ideal para muitos que se vêem confrontados com as asperezas intoleráveis da religião, da tal dita espiritualidade organizada... Mas é também uma tradição que se perde, o acumular milenar de sabedoria. Ou não?... Mais uma filosofia de vida do que um acto de fé. E no entanto, este último implica o primeiro. Ou tudo deixa de fazer sentido.
Mergulho

Mergulho na noite em busca da clara luz do dia. Ainda que tudo em meu redor seja apenas trevas, não temo. O caminho que não tem regresso, escolhido está. Basta-me apenas a certeza de que a escolha foi minha, moldada nas minhas mãos. Tudo o resto é incerteza... Talvez nem tudo... O futuro constrói-se a cada passo. Mais um dia...